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sábado, 20 de fevereiro de 2010

Marasmo

No pós janeiro navega a nau
Águas calmas sucumbem à proa
Anjos joviais cantam. A voz não destoa
Em prostrar-me não há mal.

Trago nos olhos o fulgor do tempo
A perfeita métrica em construir o saber
A profusão bilíngue do pensamento
A unção profética do viver!

Ternamente, entrego-me: Tenho sede, confesso!
Mas a água é suntuosamente morna
Temperatura, às vezes adorna
Porem, o sofrimento enriquece o verso.

Fernando Eugênio Tozzo


Cenários turbulentos, mudanças velozes: negação, proteção ou superação


Mário Sérgio Cortella



Desatai o futuro!, bradou, furioso, o russo e poeta universal Maiakóvski. Poderíamos acrescentar, presunçosamente, um preservai o passado!, como forma de dar sustentação sólida a esse futuro em invenção constante. Mas, o que preservar do passado? Nem tudo, é claro; afinal, o passado não é nem o lugar do imutável (pois depende de como o continuamos), nem um mero depositário temporal do, agora, inútil. É preciso, antes de mais nada, quando pensamos em passado, fazer uma distinção entre o tradicional e o arcaico. O tradicional é o que deve ser protegido, guardado, levado adiante; é, a tradição, um espécie de promontório, a partir do qual o futuro pode ser vislumbrado naquilo que carrega de mais próximo à qualidade positiva. Já o arcaico, por sua vez, é o que deve ser descartado, por ter-se provado insuficiente, precário, anacrônico. Por isso, basta de arcaísmos! É preciso assumir que competência é uma condição coletiva e temporal e entender que as perspectivas de competências individuais e exclusivas de uma única pessoa não têm mais lugar na nova organização do mundo do trabalho. Até há 20 anos, havia uma frase muito comum: “A minha competência acaba quando começa a do outro”. Hoje, essa frase não tem mais sentido. O modo de organizar o trabalho, organizar as atividades, está diferente e as organizações precisam caminhar dentro dessas mudanças. Hoje, pela lógica, seria “a minha competência acaba quando acaba a do outro”. Num grupo, numa equipe, numa organização, se a sua competência diminui, a minha também diminui. Se a sua competência aumenta, a minha também aumenta... Nesse sentido, é urgente que as organizações deixem de assumir-se como qualificadas e passem a agir como qualificantes, isto é, que cada vez mais é preciso que haja na organização uma permeabilidade de educação continuada, em que as pessoas estejam se educando permanente e reciprocamente. Portanto, é necessária a criação de um ambiente educativo, um ambiente pedagógico, no qual caiba a possibilidade de as pessoas se ensinarem e aprenderem ao mesmo tempo umas com as outras. Nessas organizações, devem imperar dois princípios: “quem sabe, reparte” e “quem não sabe, procura”. Seguindo essa lógica, é fundamental que se tenha comprometimento com a idéia de competência coletiva porque é isso que potencializa as organizações para uma atividade mais pró-ativa. De outro lado, essa formação continuada traz a necessidade de estar aberto para as múltiplas possibilidades de compreensão, de não se fixar exclusivamente em um modelo, nem ficar refém de uma única forma de fazer as coisas. Usando uma frase antiga – “a mente humana é como pára-quedas; funciona melhor aberta” –, essa seria a idéia de um comprometimento com a educação coletiva e uma flexibilidade que permita uma ação e reação extremamente velozes frente às mudanças no mundo do trabalho, que também são cambiantes. Dessa forma. a inteligência estratégica na gestão de recursos humanos está em dois passos primordiais: valorizar as pessoas, mostrando que tudo o que elas têm como capacidade e conhecimento, independentemente de ele ser escolar ou não, agrega valor dentro do grupo. Segundo: criar chances e oportunidades para que esses conhecimentos venham à tona e não simplesmente oferecer treinamentos para as pessoas, mas também buscar nos empregados aquilo que eles podem ensinar para os outros. E isso qualquer área de recursos humanos bem estruturada consegue fazer. Basta um inventário do estoque de conhecimento disponível dentro da organização e atuar para que haja permuta, troca, reciprocidade de relações, o que vai fazer com que as pessoas se sintam valorizadas. Não é promover para as pessoas o que Paulo Freire chamou de educação bancária, ou seja, depositar e depositar conhecimentos, como se o funcionário fosse um banco. A valorização é um passo central para que as pessoas não só se sintam respeitadas, mas principalmente para que elas se sintam importantes na colaboração com o grupo e com o coletivo de forma mais ampla. É por isso que o que se espera da organização como um todo e de cada pessoa dentro dela em particular, é uma atitude propositiva! Antes de mais nada, convencendo as pessoas a partir de debates e análises de que, primeiro, o mundo está mudando e, portanto, as organizações sofrem mudanças também. E que essas mudanças trazem novos requisitos, novos modos de ser e agir. Em terceiro lugar, esses novos modos de ser e agir colaboram imensamente para que as pessoas possam ter atividades mais completas, mais eficazes e mais intensas. Quarto, mostrando que, se elas não mudarem nessa direção, elas ficarão à margem disso. Algum tempo atrás, dizia-se que quem fosse ultrapassado era colocado para trás. Hoje, se você é ultrapassado, você é jogado para fora da estrada. É outra lógica. A velocidade da operação faz com que as pessoas percam a capacidade de voltar rapidamente. Muitas organizações saíram de cena com uma velocidade que a gente nem imaginava como e o que faltou a elas foi um trabalho onde existisse sinergia, um fazer junto, mas, em sintonia. Então, o primeiro passo é colocar o grupo, a organização, em sintonia. Os tempos são, de fato, turbulentos e as mudanças velozes; nessa circunstância, não se prepara alguém para ir a algum lugar, mas para que ele tenha condições de ir. Não se tem clareza em saber que rumo vai tomar o processo produtivo – você não vê todas as tendências, mas pode deixar a pessoa em estado de prontidão para que ela não se sinta indefesa ou surpreendida por uma mudança de rota. Portanto, não importa para onde se vá, o que precisamos é estar o tempo todo preparados para partir...
A Sociedade Mundial da Cegueira
Leonardo Boff


O poeta Affonso Romano de Sant'Ana e o prêmio Nobel de literatura, o portugues José Saramago, fizeram da cegueira tema para críticas severas à sociedade atual, assentada sobre uma visão reducionista da realidade. Mostraram que há muitos presumidos videntes que são cegos e poucos cegos que são videntes.


Hoje propala-se pomposamente que vivemos sob a sociedade do conhecimento, uma espécie de nova era das luzes. Efetivamente assim é. Conhecemos cada vez mais sobre cada vez menos. O conhecimento especializado colonizou todas as áreas do saber. O saber de um ano é maior que todo saber acumulado dos últimos 40 mil anos. Se por um lado isso traz inegáveis benefícios, por outro, nos faz ignorantes sobre tantas dimensões, colocando-nos escamas sobre os olhos e assim impedindo-nos de ver a totalidade.


O que está em jogo hoje é a totalidade do destino humano e o futuro da biosfera. Objetivamente estamos pavimentando uma estrada que nos poderá conduzir ao abismo. Por que este fato brutal não está sendo visto pela maioria dos especialistas nem dos chefes de Estado nem da grande mídia que pretende projetar os cenários possíveis do futuro? Simplesmente porque, majoritariamente, se encontram enclausurados em seus saberes específicos nos quais são muito competentes mas que, por isso mesmo, se fazem cegos para os gritantes problemas globais.


Quais dos grandes centros de análise mundial dos anos 60 previram a mudança climática dos anos 90? Que analistas econômicos com prêmio Nobel, anteviram a crise econômico-financeira que devastou os países centrais em 2008? Todos eram eminentes especialistas no seu campo limitado, mas idiotizados nas questões fundamentais. Geralmente é assim: só vemos o que entendemos. Como os especialistas entendem apenas a mínima parte que estudam, acabam vendo apenas esta mínima parte, ficando cegos para o todo. Mudar este tipo de saber cartesiano desmontaria hábitos científicos consagrados e toda uma visão de mundo.É ilusória a independência dos territórios da física, da química, da biologia, da mecânica quântica e de outros. Todos os territórios e seus saberes são interdependentes, uma função do todo. Desta percepção nasceu a ciência do sistema Terra. Dela se derivou a teoria Gaia que não é tema da New Age mas resultado de minuciosa observação científica. Ela oferece a base para políticas globais de controle do aquecimento da Terra que, para sobreviver, tende a reduzir a biosfera e até o número dos organismos vivos, não excluidos os seres humanos.Emblemática foi a COP-15 sobre as mudanças climáticas em Copenhague. Como a maioria na nossa cultura é refém do vezo da atomização dos saberes, o que predominou nos discursos dos chefes de Estado eram interesses parciais: taxas de carbono, níveis de aquecimento, cotas de investimento e outros dados parciais. A questão central era outra: que destino queremos para a totalidade que é a nossa Casa Comum? Que podemos fazer coletivamente para garantir as condições necessárias para Gaia continuar habitável por nós e por outros seres vivos? Esses são problemas globais que transcendem nosso paradigma de conhecimento especializado. A vida não cabe numa fórmula, nem o cuidado numa equação de cálculo. Para captar esse todo precisa-se de uma leitura sistêmica junto com a razão cordial e compassiva, pois é esta razão que nos move à ação.Temos que desenvolver urgentemente a capacidade de somar, de interagir, de religar, de repensar, de refazer o que foi desfeito e de inovar. Esse desafio se dirige a todos os especialistas para que se convençam de que a parte sem o todo não é parte. Da articulação de todos estes cacos de saber, redesenharemos o painel global da realidade a ser comprendida, amada e cuidada. Essa totalidade é o conteúdo principal da consciência planetária, esta sim, a era da luz maior que nos liberta da cegueira que nos aflige.




Leonardo Boff á autor de A nova era: a consciência planetária, Record (2007)



A arte de ouvir

Rubem Alves




De todos os sentidos, o mais importante para a aprendizagem do amor, do viver juntos e da cidadania é a audição. Disse o escritor sagrado: “No princípio era o Verbo”. Eu acrescento: “Antes do Verbo era o silêncio.” É do silêncio que nasce o ouvir. Só posso ouvir a palavra se meus ruídos interiores forem silenciados. Só posso ouvir a verdade do outro se eu parar de tagarelar. Quem fala muito não ouve. Sabem disso os poetas, esses seres de fala mínima. Eles falam, sim. Para ouvir as vozes do silêncio. Veja esse poema de Fernando Pessoa, dirigido a um poeta: “Cessa o teu canto! Cessa, que, enquanto o ouvi, ouvia uma outra voz como que vindo nos interstícios do brando encanto com que o teu canto vinha até nós. Ouvi-te e ouvia-a no mesmo tempo e diferentes, juntas a cantar. E a melodia que não havia se agora a lembro, faz-me chorar...” A magia do poema não está nas palavras do poeta. Está nos interstícios silenciosos que há entre as suas palavras. É nesse silêncio que se ouve a melodia que não havia. Aí a magia acontece: a melodia me faz chorar.
Não nos sentimos em casa no silêncio. Quando a conversa para por não haver o que dizer tratamos logo de falar qualquer coisa, para por um fim no silêncio. Vez por outra tenho vontade de escrever um ensaio sobre a psicologia dos elevadores. Ali estamos, nós dois, fechados naquele cubículo. Um diante do outro. Olhamos nos olhos um do outro? Ou olhamos para o chão? Nada temos a falar. Esse silêncio, é como se fosse uma ofensa. Aí falamos sobre o tempo. Mas nós dois bem sabemos que se trata de uma farsa para encher o tempo até que o elevador pare.
Os orientais entendem melhor do que nós. Se não me engano o nome do filme é “Aconteceu em Tóquio”. Duas velhinhas se visitavam. Por horas ficavam juntas, sem dizer uma única palavra. Nada diziam porque no seu silêncio morava um mundo. Faziam silêncio não por não ter nada a dizer, mas porque o que tinham a dizer não cabia em palavras. A filosofia ocidental é obcecada pela questão do Ser. A filosofia oriental, pela questão do Vazio, do Nada. É no Vazio da jarra que se colocam flores.
O aprendizado do ouvir não se encontra em nossos currículos. A prática educativa tradicional se inicia com a palavra do professor. A menininha, Andréa, voltava do seu primeiro dia na creche. “Como é a professora?”, sua mãe lhe perguntou. Ao que ela respondeu: “Ela grita...” Não bastava que a professora falasse. Ela gritava. Não me lembro de que minha primeira professora, Da. Clotilde, tivesse jamais gritado. Mas me lembro dos gritos esganiçados que vinham da sala ao lado. Um único grito enche o espaço de medo. Na escola a violência começa com estupros verbais.
Milan Kundera conta a estória de Tamina, uma garçonete. “Todo mundo gosta de Tamina. Porque ela sabe ouvir o que lhe contam. Mas será que ela ouve mesmo? Não sei... O que conta é que ela não interrompe a fala. Vocês sabem o que acontece quando duas pessoas falam. Uma fala e outra lhe corta a palavra: ‘é exatamente como eu, eu...’ e começa a falar de si até que a primeira consiga por sua vez cortar: ‘é exatamente como eu, eu...’Essa frase ‘é exatamente como eu...’ parece ser uma maneira de continuar a reflexão do outro, mas é um engodo. É uma revolta brutal contra uma violência brutal: um esforço para libertar o nosso ouvido da escravidão e ocupar à força o ouvido do adversário. Pois toda a vida do homem entre os seus semelhantes nada mais é do que um combate para se apossar do ouvido do outro...”
Será que era isso que acontecia na escola tradicional? O professor se apossando do ouvido do aluno ( pois não é essa a sua missão?), penetrando-o com a sua fala fálica e estuprando-o com a força da autoridade e a ameaça de castigos, sem se dar conta de que no ouvido silencioso do aluno há uma melodia que se toca. Talvez seja essa a razão porque há tantos cursos de oratória, procurados por políticos e executivos, mas não haja cursos de escutatória. Todo mundo quer falar. Ninguém quer ouvir.
Todo mundo quer ser escutado. (Como não há quem os escute, os adultos procuram um psicanalista, profissional pago do escutar.) Toda criança também quer ser escutada. Encontrei, na revista pedagógica italiana “Cem Mondialità” a sugestão de que, antes de se iniciarem as atividades de ensino e aprendizagem, os professores se dedicassem por semanas, talvez meses, a simplesmente ouvir as crianças. No silêncio das crianças há um programa de vida: sonhos. É dos sonhos que nasce a inteligência. A inteligência é a ferramenta que o corpo usa para transformar os seus sonhos em realidade. É preciso escutar as crianças para que a sua inteligência desabroche.
Sugiro então aos professores que, ao lado da sua justa preocupação com o falar claro, tenham também uma justa preocupação com o escutar claro. Amamos não é a pessoa que fala bonito. É a pessoa que escuta bonito. A escuta bonita é um bom colo para uma criança se assentar...

ÉTICA E PRÁTICA EDUCATIVA, OUTRA VEZ

Cipriano Carlos Luckesi



Qual é um significativo fundamento para a conduta ética e o que isso tem a ver com a prática educativa?
Lee Yarley, professor de Religião na Stanford University, em um texto, que serviu de base para um diálogo com o Dalai Lama e outros pesquisadores, publicado no livro Emoções que Curam: conversas com o Dalai Lama sobre mente alerta, emoções e saúde, da Editora Rocco, 1999, sintetizou, de modo singular, as três posições éticas assumidas na filosofia ocidental, ao longo da história.
A primeira delas é “o individualismo [que] restringe a ética aos desejos do indivíduo. Ética, [no caso], envolve imaginar o que desejamos, e depois agir para obtê-lo”. Nessa perspectiva, uma conduta é ética, quando ela atende nossos interesses individuais, não importa como esse atendimento se faça. Importa que sejam atendidos. O centro de atenção é o nosso “eu”, ele é que deve ser satisfeito.
A segunda posição, detectada pelo autor, é a do “perfeccionismo [que] julga se os desejos do indivíduo são bons ou maus com relação ao ideal de uma pessoa perfeita. Esse ideal geralmente repousa na noção relacionada com o melhor estado possível da natureza humana”. Aqui há uma suposição metafísica de qual seja a conduta perfeita e todas as nossas condutas deverão ser avaliadas diante dessa, de tal modo que nossas decisões, no cotidiano, devam aproximar-se desse ideal. O que importa é a busca da perfeição da conduta em comparação com aquela que está definida como a ideal. Quem define esse ideal? E, finalmente, a terceira posição identificada é a do racionalismo, característica a mais “moderna e ocidental da três. Ele sustenta que a razão é o único guia ético adequado, definindo a razão como aquilo que possibilita que as pessoas pensem a respeito de proposições universais abstratas”. Aqui é a razão que deve definir o que é bom e o que não o é. Emanuel Kant, filósofo alemão do século XVIII, com muita influência sobre a sociedade moderna, dizia que deveríamos, em nossas vidas, “fazer as coisas de tal forma que todos pudessem fazer igual a nós”. Nesse princípio da ética kantiana não há um conteúdo a ser levado em consideração, mas somente uma forma racional pela qual devemos pautar nossas condutas, ou seja, devemos evitar agir de uma maneira que os outros não possam agir da mesma forma que nós. Somente pela razão podemos nos orientar nessa tarefa.
Concordo com o quadro sintético que esse autor traça das orientações assumidas pelo pensamento filosófico sobre a conduta ética no mundo ocidental, na medida em que esses têm sido os seus fundamentos, teoricamente, expostos pelos filósofos ao longo do tempo na história do ocidente. São fundamentos abstratos, metafísicos, praticamente sem vínculos com a vivência direta e imediata do ser humano em seu cotidiano, que envolve a si mesmo e aos outros.
Se o fundamento do ato ético depende do desejo de cada um de nós, deveríamos existir como seres isolados e independentes uns dos outros. Mas nossa realidade é individual e social, ao mesmo tempo. Somos seres sociais e não vivemos abstraídos das relações com os outros. Por outro lado, se o fundamento for a idéia de perfeição, quem definirá esse ideal e a partir de que parâmetro? Será um parâmetro existencial, histórico, ou será um parâmetro abstrato, sem contato com a experiência humana? E, por último, o parâmetro racionalista também nos coloca numa situação abstrata e metafísica, devido tomar como parâmetro a possibilidade do outro “fazer o que eu decido fazer e faço”. Então, a afirmação será: “O outro poderá fazer o que desejar, é claro! Cada um é livre de fazer o que quiser. Então, veremos quem pode mais; eu faço, os outros que façam se quiserem”. Nesse caso, chegaremos à barbárie, que, de certa forma, já vivenciamos em nosso cotidiano. Cada um faz o que quer, mas usualmente, não assume a responsabilidade pelo que fez. Quando as ações praticadas vêm à publico, o esforço é para negar que foi dessa forma que ocorreram as coisas. Vemos isso no noticiário veiculado pela imprensa diária em nossos meios de comunicação. Assim sendo, nenhum desses fundamentos são suficientemente satisfatórios para configurar uma prática ética que permeia as relações entre os seres humanos.Recentemente, temos compreendido que existe um fundamento muito mais significativo para a conduta ética. É a solidariedade. Ela, sim, é, a meu ver, um fundamento consistente para a conduta ética do ser humano. Enquanto as posições tomadas pelos filósofos ao longo do tempo, no ocidente, são abstratas, a solidariedade é concreta, na medida em que eu e o outro nos relacionamos na concretude do dia a dia. É no processo desse relacionamento que podemos encontrar um fundamento consistente para o nosso agir ético.
Entre os objetivos da educação para o século XXI, elaborados pela Unesco está o objetivo de “aprender a viver juntos”, que significa manter a nossa identidade e sobrevivência com dignidade, garantindo a identidade e a sobrevivência do outro. Esse objetivo expressa singularidade e a pluralidade de cada ser humano nas relações entre si. Afinal, e em primeiro lugar, somos todos seres humanos, e, em segundo lugar, nascidos no seio de povos, etnias, grupos culturais e religiões diferenciados. Deste modo, somos iguais e diferentes ao mesmo tempo. Assumir esse ponto de partida, a meu ver, é garantir um excelente fundamento para a conduta ética.
Na parte final do livro citado acima, o Dalai Lama diz que o fundamento para a conduta ética é a compaixão. “A força dominante da mente humana, ainda é a compaixão”, diz ele. Compaixão, aqui, não é uma pieguice, mas sim uma ação solidária para consigo mesmo e para com o outro. Eu necessito de viver bem, o outro também. Todos nós necessitamos dos outros e todos os outros necessitam de nós. As profissões são a expressão disso: todos nós necessitamos dos serviços e ações especializados dos outros e os outros necessitam das nossas ações e dos nossos serviços especializados, realizados com os cuidados necessários. Necessitamos e os outros necessitam de afeto, de atenção, de amizade, acolhimento e de solidariedade na aprendizagem e no viver.
O que isso tudo tem a ver com a prática educativa? A conduta ética do educador eficiente tem a ver com a solidariedade com o educando em sua trajetória de aprender e, por isso, garantir o seu desenvolvimento.
Todo ser humano tem direito à aprendizagem e ao desenvolvimento; e, como tal, o educando, se dirige à escola, pública ou particular, está em busca de aprendizagens significativas e, conseqüentemente, do seu desenvolvimento. No caso, o(a) educador(a) tem por compromisso, pelo lugar que ocupa na prática educativa, de ser solidário com o educando e isso significa ensinar eficientemente bem para que ele aprenda e, por aprender, se desenvolva.

Assim sendo, uma prática educativa pautada por uma conduta ética, a meu ver, está centrada no atendimento das necessidades do educando como aprendiz dos mais variados conteúdos escolares. Isso não significa, de modo algum, ensinar teoricamente condutas éticas aos educandos; “ensinar lições de moral”; significa, isto sim, praticar condutas éticas com eles, o que traduz o ditado que diz que “mais vale um exemplo do que mil palavras”.
Em nosso exercício profissional de educadores, o nosso próximo mais próximo é o educando, para agir junto ao qual deve estar desperto nosso sentimento ético. O sentimento ético verdadeiro, como todo e qualquer outro sentimento verdadeiro, conduz a uma ação benéfica, ou seja, compassiva (o que significa “agir com o outro” no seu modo de ser e na sua necessidade).
No nosso caso de educadores escolares, em relação aos nossos educandos, nossa conduta ética tem a ver com o outro, com a convivência com o outro, através do nosso serviço. Não estamos postos no lugar de educadores para fazer qualquer coisa, mas sim para realizar o melhor que podemos no ato de ensinar, para que efetivamente nosso educando aprenda e, por isso, se desenvolva.
Solidariedade é uma postura exigente para cada um de nós. Exige de nós mesmos o serviço ao outro, mas também exige do outro não só a receptividade do nosso serviço, mas também sua conduta de partilhar a tarefa que está sendo realizada e vivida. Ser solidário com o outro é pôr-se ao serviço do outro, mas, ao mesmo tempo, não ser permissivo, de tal forma que o outro receba o nosso serviço e, juntamente, com isso, invista no seu atutocrescimento. O que importa é estar a serviço do outro para que ele aprenda a ser independente, autônomo, senhor de si. Ser solidário é um investimento na libertação e autonomia de todos nós.Na sala de aulas, solidariedade significa dar boas e consistentes aulas, atender bem aos estudantes para que aprendam o que necessitam de aprender; proceder atos de avaliação que sejam significativos no sentido de diagnosticar as carências de aprendizagem que necessitam de ser superadas; reensinar, com paciência e de coração, tudo o que os estudantes não aprenderam da primeira vez; não desqualificar, não ridicularizar um educando, por mais estranha que seja sua conduta. Qualquer conduta deve ser ponto de partida para uma nova ação educativa. Um educador solidário é aquele que transforma todas as experiências, sejam elas quais forem, em atos educativos. Nada o assusta. Afinal, para ele, como para o pregador medieval Tertutiliano, “nada do que é humano é estranho”. Tudo é possível e de tudo pode-se aprender, se estivermos atentos na busca do cuidado e do desenvolvimento. Do que é satisfatório, confirmamos a satisfatoriedade; do que não é satisfatório, reconhecemos o pedido de ajuda e de busca de solução.

Luckasi é doutor em Educação, Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação, Faculdade de Educação, Universidade Federal da Bahia.

(Este material foi obtido através do website de Cipriano Carlos Luckesi - www.luckesi.com.br)

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

HAICAIS



Sol forte de verão –
Uma atrás da outra gaivotas
Dão rasantes no mar





Na beira da estrada
Os girassóis já florescem
O verão ainda demora

RELATO DE EXPERIÊNCIA PEDAGÓGICA

“A sensibilidade como Fator de Mudança Social”


Estamos vivendo em um mundo materialista, em que o ter e o poder são marcantes na vida das pessoas. Conversas e pensamentos consistem em pormenores fúteis e mesquinhos na produção de uma espécie de felicidade intransigente e preconceituosa. Valores, ética e respeito à vida dão lugar a prazeres carnais, dominadores e destrutivos. Aceitamos a violência, a miséria, a opressão e até mesmo a morte como ocorrências naturais dessa sociedade. São os “novos tempos” da atualidade. Acreditamos que tudo isso é implacável e condiz com as idéias da atualização e da mudança constantes. E ainda nos fazem acreditar que aceitar tudo isso como normal é estar preparado para um futuro que não espera por ninguém, não enxerga ninguém. E todas essas constatações são reflexos de uma cultura do real, do concreto, de uma sociedade que vive desta forma porque deixou de ser sensível, principalmente, ao ser humano.

Acredito que a única forma de reverter essa situação é pela Educação. É tentar trazer de volta a sensibilidade nas ações das pessoas. De reaprender a ver a vida por outros ângulos. Pensando nisso é que procurei trabalhar no Espaço Ler atividades que aguçavam nas crianças essa capacidade de tornar-se sensível. Primeiro foi conseguir que tivessem o gosto pela leitura, e isso foi alcançado. Depois foi aproveitar essa conquista para, através dela, trabalhar a sensibilidade. Muitas foram as atividades tendo esse objetivo, mas dentre elas merece destacar a experiência que será relatada a seguir.

Em consonância com a programação da Semana da Criança, o Espaço Ler desenvolveu uma atividade diferente e prazerosa: uma Oficina de Pintura, na qual os alunos refletiram o poema: “O Menino e o Muro”, de Sonia Junqueira, em que ele pinta o muro de sua casa por vê-lo escuro e sem vida. Em seguida conheciam e podiam fazer comparações, com a ajuda do professor, reproduções de algumas obras artísticas de pintores famosos como: Tarsila do Amaral, Cândido Portinari e Tao Sigulda com o poema declamado. Logo após eles ouviam algumas dicas a fim de exercer a sensibilidade, a criatividade e o poder transformador da arte visual no uso de formas e cores e fazer as suas pinturas relacionadas aos sentimentos manifestados com o poema e as obras observadas, pois a imaginação é o que desencadeia o processo renovador da realidade. Finalizando, todas as obras pintadas pelos alunos foram dispostas no pátio para visitação e apreciação por todas as turmas.

Dando continuidade ao trabalho sobre a sensibilidade, trabalhei com os alunos a contação da história “A Velhinha que dava nome às coisas”, de Cynthia Rylant, na qual a personagem central dava nome às coisas pelo fato da mesma ser muito idosa e ter todos os seus amigos e parentes falecidos. Como forma de tentar escapar da solidão, ela passa a ter sensações e apegos pelos objetos da casa, transformando-os em seus grandes e importantes amigos imaginários. No desenrolar da história aparece um cachorrinho marrom, que num primeiro momento ela hesita em dar-lhe um nome por medo que o mesmo morra primeiro que ela, pois não suportava a idéia de perder outro amigo.
Depois de um momento de bate-papo com a mediação do professor, em que os alunos comentaram as suas sensações e possíveis interpretações da história, eles tiveram a oportunidade de pensar em algo que é muito importante na vida deles. Fizeram, então um desenho, criaram ou falaram o nome para ele e, por fim, compuseram uma pequena quadra relatando o porquê da importância do desenho produzido. Essas atividades foram capazes de sensibilizá-los com as coisas simples que acompanham e colorem a nossa vida com as tintas do amor, do respeito, da solidariedade, etc, uma vez que atitudes e procedimentos positivos diante da realidade não só demonstram equilíbrio emocional do sujeito, mas exercem poder transformador no entorno.

Para a manutenção e execução do projeto, tive como recursos um ambiente favorável, bem como tintas de várias cores, pincéis, bandejas de isopor, reproduções de obras de pintores famosos, textos, história e material de expediente.

Como referencial em apoio à minha prática, tive a elaboração e aplicação de curso “Um mundo com mais Poesia”, que objetivou reconhecer que a sociedade atual necessita de pessoas com a sensibilidade aguçada, capazes assim, de transformar o mundo, o filme O Carteiro e o Poeta, o livro A Velhinha que dava nome às coisas, de Cynthia Rylant, cites de internet e o texto O Menino e o Muro, de Sonia Junqueira.

Acredito que o projeto desenvolvido teve êxito e colaborou para a sensibilização de meus alunos, no sentido de fazê-los refletir sobre as suas vidas e o ambiente onde estão inseridos. Os comentários tecidos e as atividades produzidas comprovam o que digo. Sendo assim, foi de grande valia e satisfação desenvolver a experiência relatada. Percebo que somente por meio de um trabalho sensibilizador é que as crianças tomarão ciência de que a sociedade precisa, além de pessoas críticas, autônomas e ousadas, necessita, também, de pessoas com sensibilidade em face de todas as mazelas e contradições presentes atualmente. Pessoas com capacidade de ver o mundo com outros olhos, principalmente com os olhos da compreensão e da fraternidade.

Bem disse Rubem Alves: “Sem a educação das sensibilidades, todas as habilidades são tolas e sem sentido”, pois as crianças têm uma capacidade que muitos eruditos não têm: os olhos encantados para as belezas simplórias do mundo que a rodeia. Assim, elas é que serão trabalhadas de forma a prevalecer com essa sensibilidade, na certeza de que representam o agente regenerador da sociedade do futuro.

É importante salientar que essas ações não se esgotam aqui, haja visto que elas terão continuidade em um Sarau com um teatro integrado entre as Oficinas de Leitura e o Espaço Ler que será apresentado na Mostra Literária.

Fernando Eugênio Tozzo
(Este relato foi escolhido e premiado pela Secretaria Municipal de Educação de Itaguaçu como sendo uma prática inovadora)